samedi 15 décembre 2007

De frio, sono e sorriso

A noite caiu cedo, como sempre no inverno. Os vidros opacos das janelas da bilioteca não permitiam ver as calçadas molhadas, os pedestres e os carros, rio de luz e sombra escorrendo entre as pedras haussmanianas dos prédios de Paris. Mas ele sabia.
Sabia que, la fora, o Panthéon dominava a colina Sainte Geneuviève com sua silueta imponente, varrida de quando em quando pelo facho da torre Eiffel. O mundo girava, mas naquela caverna de livros que o tempo parecia esquecer as luzes jogavam cores ternas sobre as interminaveis estantes. Mundos e mundos fechados, alinhados, silenciosos, observavam-no.
E ela.
Ali.
Do outro lado da mesa.
Alguém falava. Ele franzia o cenho, prestando atenção a cada palavra, agarrando as silabas, registrando-as, compreendendo, preenchendo lacunas. Pesquisa, conhecimento, conteudo... ele sabia que estava longe do saber de que precisaria se quisesse alcançar o mesmo patamar que os demais rostos ao redor. Mesmo assim, queria correr atras, saltar as barreiras, saber mais, saber mais.
E ela...
Ele arriscava de vez em quando um olhar furtivo que, quando a sorte lhe sorria, não ricocheteava nos mundos das estantes, mas atravessava o espaço e partia rumo à imensidão universal no fundo dos olhos dela. Cada relance feliz era uma sonda solitaria que se perdia nas constelações daqueles olhos estrelados. Aos poucos ele balbuciava, tentando mapear o céu que lentamente descobria, saboreando os momentos um a um, pequenas vitorias so dele.
A reunião acabou mais tarde que prevista. Ele guardou as folhas e jogou a pesada mochila nas costas, sentindo as alças morderem seus ombros. Foi falar com ela, uma ultima palavra antes de partir:
- A senhora se incomodaria se eu lhe escrevesse pedindo algumas explicações sobre o trabalho?
- Primeiro, disse ela, me chame de você. (em francês, é a permissão para "tutoyer", ou seja, falar com o outro usando o pronome familiar "tu" ao invés do formal "vous") Depois, claro que pode escrever. Espero seu mail!
Pela primeira vez ele falou com ela daquela maneira. "Tu", "tu", "tu". De repente ela estava la, sem uma mesa entre eles. Apenas ela, inspiradamente ela. Ela-você, ela-ele, ela-eu-e-você.
Podia não ser nada.
Podia ser tudo.
E ele queria ver nisso o começo de uma odisséia.
Se separaram com um sorriso, cada qual no seu caminho, Quimera e Sonhador se embrenhando no frio escuro da noite.
Pela primeira vez ele dormiu. Sonhou com uma mão entre as suas.
Que pouco a pouco se fechou, suave, sobre seus dedos.
Depois de tanto tempo, acordou feliz.

Aucun commentaire: