lundi 6 février 2012

Noite adentro, raiva afora

Existem noites que nos engolem em bile. Existem noites que parecem não ter fim, não pelas horas que se arrastam na ausência de sono enquanto o mundo ressoa do outro lado da janela ou pelo longo trajeto de desespero que os relogios da casa martelam no escuro.
Quando a raiva chega, é para valer. As noites de furia são e serão sempre as piores. Nessas noites reza-se para fechar os olhos e acordar em Verdun, no meio de um ataque... dou a volta ao mundo, viajo no tempo pensando em cada momento que desperdiçou essa minha ira: Omaha Beach, Stalingrado, Hastings, Trafalgar, Austerlitz, Waterloo, Cartago, Troia, Bannockburn, Stirling, o Bakumatsu, as Cruzadas... tantos lugares em que meu sangue teria fervido e molhado o solo para, finalmente, me apagar da existência. Deixar tudo para tras.
Agora so posso martelar as teclas e escrever como murmuraria no ouvido dele com uma voz doce, quase amorosa:
"Sei o que houve entre vocês... e quando você me diz que terminou, quero que pense muito bem. Quero que hesite antes de falar e me olhe nos olhos antes de abrir a boca, seu filha da puta... e quando falar, fale devagar, saboreando o peso de cada palavra, de cada silaba... cada fonema. Quando sua frase acabar, meu caro, feche a boca e mantenha o silêncio que deve seguir cada juramento solene, esse mais do que todos... mais do que aquele que você vai fazer no dia do seu casamento, mais do que aquele que você fez quando terminou seu curso de geologia. Sinta esse peso porque casamentos se soldam em divorcios, diplomas e ética não querem dizer nada nesse mundo cão.
Mas o juramento que você me fez, cara... Ah, se você quebrar esse pode ter certeza que vou te caçar para onde quer que você fuja, vou te achar e arrancar teu pau. Manda-lo-ei para ela via Sedex, para que ainda chegue sangrando."

Os erros e a sujeira fazem parte de nossas vidas, sim. Continuar neles é tudo o que se pode fazer de mais vil, de mais inumano, de mais escroto. Quando isso acontece, o mundo tem que queimar.

dimanche 12 juin 2011

Folhas secas

Da janela do meu quarto posso ver o quintal do vizinho. As vezes me debruço contra as grades para olhar o que um dia foi um jardim dominado por uma grande mangueira e hoje mais parece os restos de uma casa abandonada. Onde antes havia grama, hoje se vê apenas folhas secas e entulho cobrindo o solo. Não fosse o verde da arvore poder-se-ia acreditar que tudo esta morto naquele retângulo de terra. Mas ali algo se mexe, e não sei o que é.
Aconteceu ja na primeira semana que passei aqui, e vem se repetindo desde então. Sempre à noite, sempre depois das dez. Quando a insônia leva o descanso para longe, abro a janela para fumar um cigarro e ouvir o silêncio na esperança de sentir o mundo um pouco melhor. De repente um ruido de algo se arrastando pelas folhas secas chega da janela. Pensei ser um gato, mas nenhum felino que se preze faz tanto barulho ao caminhar. Deve ser algo maior e mais pesado, mas se o vizinho tivesse algum animal, não deveria ter visto ou ouvido algo nas horas mais claras, em outros momentos do dia?
Hoje aconteceu de novo. Tentei ignorar, mas o ruido foi muito grande e me fez debruçar na janela. Olhei na direção do quintal que a noite havia transformado em um poço de negrume aveludado, que a copa da mangueira protege como um escudo morbido. O barulho diminuiu instantâneamente, depois parou. Fixei a escuridão com a estranha sensação de que ela me devolvia o olhar. Quando me afastei da janela, o ruido retomou por alguns segundos antes de parar de vez.
Penso em um dia pegar uma lanterna para resolver o mistério. Me pergunto o que o feixe luminoso vai revelar.

lundi 23 mai 2011

Filosofia paulistana I

Hoje eu vi uma naiade sair de dentro do copo de agua.
Ela atirou sobre mim seu sorriso indiferente, roubou-me um pouco de fôlego - pois precisava de ar - e saiu batendo perna pela calçada.
Deivia ter tomado mais cuidado: nunca confie nas naiades de garrafinha plastica.

Azeitino urbano


Um cego olhou para o outro e disse; "la vai Azeitino de novo, procurando um susto que lhe devolva a vida".
Realmente, la se ia Azeitino. Perambulava pelas ruas da cidade com seus passos perdidos nos sapatos gastos de calçadas, metrôs e ônibus. Carregava debaixo do braço a pasta plastica que lhe conferia aquele eterno ar de candidato a emprego.
Não tinha vida, nosso Azeitino. Anônimo, ele se perdia da multidão, apagava-se da memoria das pessoas tão logo saia de seu campo de visão. Não deixava vestigios no mundo, não traçava contornos ao redor de si.

Mas olhava, mas via.
Via o sol de outono batendo nas janelas dos prédios. Via o balançar das arvores ao longo das avenidas. Via as imensas filas de pés e portas, de pequenas rachaduras nos cantos do concreto. Sabia dizer quantas folhas havia em cada broto de arvore que despontava entre as placas cinzentas dos muros entre sua casa e seu trabalho. Deliciava-se com a poesia surrada que extraia da sutileza singela de uma planta que se içava sobre a pedra escura e suja. Lambuzava-se nela semanas a fio, até a chegada do dia em que o broto simplesmente desaparecia, arrancado por algum automovel, pedestre ou funcionario da prefeitura. Nesses dias ele parava, contemplava com olhos tristes a imensidão concreta e homogênea, depois seguia seu caminho com um suspiro. Não mais que um suspiro, pois desde o momento em que notava um novo pingo de verde algo dentro de si ja o informava secretamente do fim abrupto que um dia viria, como viriam outros verdes para os quais estava selado o mesmo fim, mudando apenas o tempo de espera. Duradouro mesmo, so o concreto, renovado ano sim, ano não, na contante preocupação de criar uma cidade relativamente homogênea e continua.
Era a segurança do motorista que singrava as avenidas com os olhos cravados no astalto à frente, a calma do pedestre que precisa do espaço limpo dos entulhos, quer sejam humanos ou naturais. Azeitino sabia disso também. Sabia da sujeira e do potencial destrutivo das pequenas raizes que se esgueiravam pelas microfissuras de cada pedra e abriam-nas dia apos dia, até estourarem por completo, rachando calçadas e fechando estradas.
Isso não o impedia de torcer por elas. As vezes durante a noite ele sonhava, sozinho em seu apartamento de solteiro, com uma arvore a devorar a cidade.

mercredi 20 avril 2011

De Pimentas e Sombras

Era uma casa pequena, modesta, simpatica. A chuva fina que caira ao longo do dia havia dado ao telhado de ardosia um aspecto esmaltado, escuro e brilhante como as unhas dela a ultima vez que a vira.
Seu coração batia a chamada da adrenalina enquanto ondas de calafrio se espalhavam ao longo da espinha, eriçando pelos e cabelos debaixo do agasalho. Sentia vergonha do que fizera até então, mas aquilo que estava prestes a fazer lhe causava verdadeiro pânico. Respirou fundo uma, duas vezes e deu o primeiro passo, depois o segundo, depois o terceiro, sentindo a tensão diminuir levemente à medida que cobria a distância que o separava do portão. Em seu lugar surgia a velha sensação de luta. "Let's get over with that bloody thing once and for all", como lera certa vez no museu da Black Hatch em Edimburgo.
Parou diante do portão de madeira que passara dois dias observando. O marido so voltaria do trabalho às sete horas, o que lhe dava muito tempo para fazer o serviço. Tocou a campainha e aguardou os interminaveis instantes necessarios. Finalmente, a porta se abriu de leve.
- Oui?
Ouvir novamente aquela voz foi um choque, mas ele se conteve.
- Madame Jacquet-Saraiva?
- C'est moi...
-J'ai une lettre pour vous.
A porta finalmente se abriu. Seu rosto guardava a jovialidade de sempre, mesclada a uma maturidade nova de mulher-ja-mãe-antes-mesmo-de-o-ser. Sua barriga ainda não denunciava a criança que abrigava, a criança que ela fizera com o outro - que sempre sera outro para quem nem "aquele" foi.
Ela o fixou com o olhar durante alguns segundos antes de reconhece-lo.

- O que você esta fazendo aqui?
Ele sorriu ao sentir um leve tremor de medo em sua voz.
- Tudo bem?
- Tudo bem. O que você esta fazendo aqui?
- Não vou dizer que estava de passagem e por acaso vim aqui. Na verdade so vim por sua causa. Vim confessar que te amei e te amo a ponto de atravessar um oceano e um pais so pra te dizer isso... Ah, sim... e para te entregar esse papel.
Enfiou a mão no agasalho e sacou uma folha dobrada. Ela olhou o papel como se fosse uma bomba ou uma condenação à morte, mas acabou por aceita-lo. Desdobrou-o e surpreendeu-se ao se deparar com seus proprios traços, um desenho que fizera outrora e havia muito esquecido. No canto inferior, rabiscado em sua caligrafia, lia-se "Para você lembrar de nossa noite de luz azul".
- Faz doze anos que eu olho para ele quando tudo me abandona. Queria deixa-lo com você...
Deu-lhe as costas e afastou-se lentamente, lutando para não correr, rangendo os dentes na esperança de não enrubescer apesar de ja saber que seu rosto parecia um tomate naquele momento. Sentia-se como um adolescente ridiculo e arrasado pela propria vergonha. Sabia que aquela despedida não lhe traria nada de mais, mas que precisava faze-la. A esquina se aproximava lentamente. Apenas mais alguns metros e ele poderia sair daquela rua, entrar na avenida. De la pegaria o ônibus que o levaria de volta à estação de trem. Voltar para Paris, beber novamente a solidão e enterrar o sonho... talvez até ir à Inglaterra, mochilar pela Escocia como antes, por que não? O que lhe faltava em proposito sobrava em tempo...

Se alguém ler isso, saiba que nosso personagem acabou de chegar à esquina que tanto observa e almeja. Todavia, algo me vem à mente e sinto a necessidade de compartilha-lo com o leitor: sim, estamos em um mundo onde finais felizes podem ou não acontecer, onde a cada vez mais implacavel realidade empurra a fantasia até seus ultimos bastiões, ocultos dentro da bruma do cinismo com o qual olhamos nossas ilusões de infância. Ainda assim, quero terminar essa historia com algo mais do que a ja batida conclusão em aberto. O que fara ela, que deixamos na porta de casa com uma criança no ventre e um desenho nas mãos? Ora, sim, é claro que todos sabem das infinitas possibilidades e das provaveis probabilidades... mas permitam-me aproveitar da minha liberdade de escritor frustrado e da massa ausente de leitores avidos para colocar não um, mas alguns fins nessa historia onde Pimenta e Sombra demandam uma definição. Irei escrevê-los quando e como me vierem, felizes ou tristes. Escolham o que quiserem, pois apenas aqueles dois sabem quais linhas escreveu a vida real.

lundi 18 avril 2011

E depois de muito silêncio...

Mais de um ano sem postar. Mais de um ano sem realmente viver. Tudo é velho, velho como esse blog abandonado pelo autor e pelos leitores.
Estou naqueles momentos em que a vida parece estranha e tediosa, sem mais nada. Os amores de infância, adolescencia e idade adulta? Todos se foram, muito bem juntadas, casadas ou simplesmente de costas dadas e pés na estrada. O mundo se recorta em contas para pagar, um futuro obscuro onde me espera solidão. E dificil e acho que preciso ver um psicologo para não cair na armadilha da autopiedade suprema e improdutiva.
"Aonde foi que eu errei com você?", disse meu pai outro dia. Para muitos essa pergunta vem repleta de acusações, dedos apontados no rosto e palavras asperas... para mim, foi apenas uma constatação triste daquele que me carregou nos ombros a vida inteira: "você esta infeliz, e me sinto responsavel. Não soube te preparar para a vida, não soube te dar as armas necessarias para que seu sorriso se mantivesse apesar de todas as adversidades"...
Ah, pai... mas você soube, e soube muito bem. O problema é quando as adversidades são ao mesmo tempo grandes e numerosas demais, os amigos, distantes, a familia, quebrada, os entes queridos, mortos, o trabalho, um tormento, o conforto material e intelectual, inexistentes. Você me preparou bem, mas eu dei azar, fui um otario, não soube ser arrojado e tudo isso se juntou para fazer minha tristeza. Não fio culpa sua, não foi culpa sua... Foi culpa de todo mundo, sobretudo minha, antes de você sequer chegar perto da lista dos responsaveis.
A Pimenta deu as costas, esta casada e gravida, muito bem, obrigada, na França (pois é, né??), vivendo em Lyon. A Gringa também me deu as costas (duas vezes seguidas, como a Pimenta, olha so!!) e também esta levando a vida dela. Deve estar para casar nesses dias, assim que o mês de maio trouxer mais calor para os campos de mostarda... enfim, ja faz um tempo que as estantes de biblioteca e livrarias não escondem novos rostos que suscitem novas paixões, e as que me circundam e me são dirigidas não me interessam.
"Aonde foi que eu errei", pai, é uma pergunta que eu devo me fazer... você não.

jeudi 30 avril 2009

Chill out time...

Depois de uma descida power nas catacumbas voltei para casa exausto e desabei na cama ao lado de minhas botas enlameadas. O dia passou devagar, com tempo para pensar e escrever, cuidar dos probleminhas da vida e -o que é mais importante - baixar "Scanners", que ainda nao assisti.
A noite chegou devagar e como o cansaço se faz sentir vou aproveitar dessa véspera de seriado para rever meus episodios favoritos de "The Big Bang Theory", preencher as lacunas da minha cultura Sci-Fi e surfar na internet. Geeky night, mas que se dane: a cretinice do mundo me da vontade de assumir com orgulho meu lado nerd. Além disso, não existe nada melhor do que encadear um seriado que fala de sci-fi, RPG, videogame, comics, etc. etc. e depois correr atras das referências que a gente nao conhece pessoalmente.
Tem outra coisa que me agrada nesse tipo de noite: depois de saturar o cérebro com uma bateria de mangas e outras séries pontuadas de risadas, filmes com lasers e historias de horror a vida parece mais divertida; de repente a livraria vazia se torna o espaço de um encontro potencial, a internet me leva de volta para uma pequena ardida e até da vontade de acreditar que um dia, quem sabe... quem sabe eu também vou ter calma, maturidade (ou falta de) para ter um final feliz.