mercredi 20 avril 2011

De Pimentas e Sombras

Era uma casa pequena, modesta, simpatica. A chuva fina que caira ao longo do dia havia dado ao telhado de ardosia um aspecto esmaltado, escuro e brilhante como as unhas dela a ultima vez que a vira.
Seu coração batia a chamada da adrenalina enquanto ondas de calafrio se espalhavam ao longo da espinha, eriçando pelos e cabelos debaixo do agasalho. Sentia vergonha do que fizera até então, mas aquilo que estava prestes a fazer lhe causava verdadeiro pânico. Respirou fundo uma, duas vezes e deu o primeiro passo, depois o segundo, depois o terceiro, sentindo a tensão diminuir levemente à medida que cobria a distância que o separava do portão. Em seu lugar surgia a velha sensação de luta. "Let's get over with that bloody thing once and for all", como lera certa vez no museu da Black Hatch em Edimburgo.
Parou diante do portão de madeira que passara dois dias observando. O marido so voltaria do trabalho às sete horas, o que lhe dava muito tempo para fazer o serviço. Tocou a campainha e aguardou os interminaveis instantes necessarios. Finalmente, a porta se abriu de leve.
- Oui?
Ouvir novamente aquela voz foi um choque, mas ele se conteve.
- Madame Jacquet-Saraiva?
- C'est moi...
-J'ai une lettre pour vous.
A porta finalmente se abriu. Seu rosto guardava a jovialidade de sempre, mesclada a uma maturidade nova de mulher-ja-mãe-antes-mesmo-de-o-ser. Sua barriga ainda não denunciava a criança que abrigava, a criança que ela fizera com o outro - que sempre sera outro para quem nem "aquele" foi.
Ela o fixou com o olhar durante alguns segundos antes de reconhece-lo.

- O que você esta fazendo aqui?
Ele sorriu ao sentir um leve tremor de medo em sua voz.
- Tudo bem?
- Tudo bem. O que você esta fazendo aqui?
- Não vou dizer que estava de passagem e por acaso vim aqui. Na verdade so vim por sua causa. Vim confessar que te amei e te amo a ponto de atravessar um oceano e um pais so pra te dizer isso... Ah, sim... e para te entregar esse papel.
Enfiou a mão no agasalho e sacou uma folha dobrada. Ela olhou o papel como se fosse uma bomba ou uma condenação à morte, mas acabou por aceita-lo. Desdobrou-o e surpreendeu-se ao se deparar com seus proprios traços, um desenho que fizera outrora e havia muito esquecido. No canto inferior, rabiscado em sua caligrafia, lia-se "Para você lembrar de nossa noite de luz azul".
- Faz doze anos que eu olho para ele quando tudo me abandona. Queria deixa-lo com você...
Deu-lhe as costas e afastou-se lentamente, lutando para não correr, rangendo os dentes na esperança de não enrubescer apesar de ja saber que seu rosto parecia um tomate naquele momento. Sentia-se como um adolescente ridiculo e arrasado pela propria vergonha. Sabia que aquela despedida não lhe traria nada de mais, mas que precisava faze-la. A esquina se aproximava lentamente. Apenas mais alguns metros e ele poderia sair daquela rua, entrar na avenida. De la pegaria o ônibus que o levaria de volta à estação de trem. Voltar para Paris, beber novamente a solidão e enterrar o sonho... talvez até ir à Inglaterra, mochilar pela Escocia como antes, por que não? O que lhe faltava em proposito sobrava em tempo...

Se alguém ler isso, saiba que nosso personagem acabou de chegar à esquina que tanto observa e almeja. Todavia, algo me vem à mente e sinto a necessidade de compartilha-lo com o leitor: sim, estamos em um mundo onde finais felizes podem ou não acontecer, onde a cada vez mais implacavel realidade empurra a fantasia até seus ultimos bastiões, ocultos dentro da bruma do cinismo com o qual olhamos nossas ilusões de infância. Ainda assim, quero terminar essa historia com algo mais do que a ja batida conclusão em aberto. O que fara ela, que deixamos na porta de casa com uma criança no ventre e um desenho nas mãos? Ora, sim, é claro que todos sabem das infinitas possibilidades e das provaveis probabilidades... mas permitam-me aproveitar da minha liberdade de escritor frustrado e da massa ausente de leitores avidos para colocar não um, mas alguns fins nessa historia onde Pimenta e Sombra demandam uma definição. Irei escrevê-los quando e como me vierem, felizes ou tristes. Escolham o que quiserem, pois apenas aqueles dois sabem quais linhas escreveu a vida real.

lundi 18 avril 2011

E depois de muito silêncio...

Mais de um ano sem postar. Mais de um ano sem realmente viver. Tudo é velho, velho como esse blog abandonado pelo autor e pelos leitores.
Estou naqueles momentos em que a vida parece estranha e tediosa, sem mais nada. Os amores de infância, adolescencia e idade adulta? Todos se foram, muito bem juntadas, casadas ou simplesmente de costas dadas e pés na estrada. O mundo se recorta em contas para pagar, um futuro obscuro onde me espera solidão. E dificil e acho que preciso ver um psicologo para não cair na armadilha da autopiedade suprema e improdutiva.
"Aonde foi que eu errei com você?", disse meu pai outro dia. Para muitos essa pergunta vem repleta de acusações, dedos apontados no rosto e palavras asperas... para mim, foi apenas uma constatação triste daquele que me carregou nos ombros a vida inteira: "você esta infeliz, e me sinto responsavel. Não soube te preparar para a vida, não soube te dar as armas necessarias para que seu sorriso se mantivesse apesar de todas as adversidades"...
Ah, pai... mas você soube, e soube muito bem. O problema é quando as adversidades são ao mesmo tempo grandes e numerosas demais, os amigos, distantes, a familia, quebrada, os entes queridos, mortos, o trabalho, um tormento, o conforto material e intelectual, inexistentes. Você me preparou bem, mas eu dei azar, fui um otario, não soube ser arrojado e tudo isso se juntou para fazer minha tristeza. Não fio culpa sua, não foi culpa sua... Foi culpa de todo mundo, sobretudo minha, antes de você sequer chegar perto da lista dos responsaveis.
A Pimenta deu as costas, esta casada e gravida, muito bem, obrigada, na França (pois é, né??), vivendo em Lyon. A Gringa também me deu as costas (duas vezes seguidas, como a Pimenta, olha so!!) e também esta levando a vida dela. Deve estar para casar nesses dias, assim que o mês de maio trouxer mais calor para os campos de mostarda... enfim, ja faz um tempo que as estantes de biblioteca e livrarias não escondem novos rostos que suscitem novas paixões, e as que me circundam e me são dirigidas não me interessam.
"Aonde foi que eu errei", pai, é uma pergunta que eu devo me fazer... você não.