lundi 23 mai 2011

Filosofia paulistana I

Hoje eu vi uma naiade sair de dentro do copo de agua.
Ela atirou sobre mim seu sorriso indiferente, roubou-me um pouco de fôlego - pois precisava de ar - e saiu batendo perna pela calçada.
Deivia ter tomado mais cuidado: nunca confie nas naiades de garrafinha plastica.

Azeitino urbano


Um cego olhou para o outro e disse; "la vai Azeitino de novo, procurando um susto que lhe devolva a vida".
Realmente, la se ia Azeitino. Perambulava pelas ruas da cidade com seus passos perdidos nos sapatos gastos de calçadas, metrôs e ônibus. Carregava debaixo do braço a pasta plastica que lhe conferia aquele eterno ar de candidato a emprego.
Não tinha vida, nosso Azeitino. Anônimo, ele se perdia da multidão, apagava-se da memoria das pessoas tão logo saia de seu campo de visão. Não deixava vestigios no mundo, não traçava contornos ao redor de si.

Mas olhava, mas via.
Via o sol de outono batendo nas janelas dos prédios. Via o balançar das arvores ao longo das avenidas. Via as imensas filas de pés e portas, de pequenas rachaduras nos cantos do concreto. Sabia dizer quantas folhas havia em cada broto de arvore que despontava entre as placas cinzentas dos muros entre sua casa e seu trabalho. Deliciava-se com a poesia surrada que extraia da sutileza singela de uma planta que se içava sobre a pedra escura e suja. Lambuzava-se nela semanas a fio, até a chegada do dia em que o broto simplesmente desaparecia, arrancado por algum automovel, pedestre ou funcionario da prefeitura. Nesses dias ele parava, contemplava com olhos tristes a imensidão concreta e homogênea, depois seguia seu caminho com um suspiro. Não mais que um suspiro, pois desde o momento em que notava um novo pingo de verde algo dentro de si ja o informava secretamente do fim abrupto que um dia viria, como viriam outros verdes para os quais estava selado o mesmo fim, mudando apenas o tempo de espera. Duradouro mesmo, so o concreto, renovado ano sim, ano não, na contante preocupação de criar uma cidade relativamente homogênea e continua.
Era a segurança do motorista que singrava as avenidas com os olhos cravados no astalto à frente, a calma do pedestre que precisa do espaço limpo dos entulhos, quer sejam humanos ou naturais. Azeitino sabia disso também. Sabia da sujeira e do potencial destrutivo das pequenas raizes que se esgueiravam pelas microfissuras de cada pedra e abriam-nas dia apos dia, até estourarem por completo, rachando calçadas e fechando estradas.
Isso não o impedia de torcer por elas. As vezes durante a noite ele sonhava, sozinho em seu apartamento de solteiro, com uma arvore a devorar a cidade.

mercredi 20 avril 2011

De Pimentas e Sombras

Era uma casa pequena, modesta, simpatica. A chuva fina que caira ao longo do dia havia dado ao telhado de ardosia um aspecto esmaltado, escuro e brilhante como as unhas dela a ultima vez que a vira.
Seu coração batia a chamada da adrenalina enquanto ondas de calafrio se espalhavam ao longo da espinha, eriçando pelos e cabelos debaixo do agasalho. Sentia vergonha do que fizera até então, mas aquilo que estava prestes a fazer lhe causava verdadeiro pânico. Respirou fundo uma, duas vezes e deu o primeiro passo, depois o segundo, depois o terceiro, sentindo a tensão diminuir levemente à medida que cobria a distância que o separava do portão. Em seu lugar surgia a velha sensação de luta. "Let's get over with that bloody thing once and for all", como lera certa vez no museu da Black Hatch em Edimburgo.
Parou diante do portão de madeira que passara dois dias observando. O marido so voltaria do trabalho às sete horas, o que lhe dava muito tempo para fazer o serviço. Tocou a campainha e aguardou os interminaveis instantes necessarios. Finalmente, a porta se abriu de leve.
- Oui?
Ouvir novamente aquela voz foi um choque, mas ele se conteve.
- Madame Jacquet-Saraiva?
- C'est moi...
-J'ai une lettre pour vous.
A porta finalmente se abriu. Seu rosto guardava a jovialidade de sempre, mesclada a uma maturidade nova de mulher-ja-mãe-antes-mesmo-de-o-ser. Sua barriga ainda não denunciava a criança que abrigava, a criança que ela fizera com o outro - que sempre sera outro para quem nem "aquele" foi.
Ela o fixou com o olhar durante alguns segundos antes de reconhece-lo.

- O que você esta fazendo aqui?
Ele sorriu ao sentir um leve tremor de medo em sua voz.
- Tudo bem?
- Tudo bem. O que você esta fazendo aqui?
- Não vou dizer que estava de passagem e por acaso vim aqui. Na verdade so vim por sua causa. Vim confessar que te amei e te amo a ponto de atravessar um oceano e um pais so pra te dizer isso... Ah, sim... e para te entregar esse papel.
Enfiou a mão no agasalho e sacou uma folha dobrada. Ela olhou o papel como se fosse uma bomba ou uma condenação à morte, mas acabou por aceita-lo. Desdobrou-o e surpreendeu-se ao se deparar com seus proprios traços, um desenho que fizera outrora e havia muito esquecido. No canto inferior, rabiscado em sua caligrafia, lia-se "Para você lembrar de nossa noite de luz azul".
- Faz doze anos que eu olho para ele quando tudo me abandona. Queria deixa-lo com você...
Deu-lhe as costas e afastou-se lentamente, lutando para não correr, rangendo os dentes na esperança de não enrubescer apesar de ja saber que seu rosto parecia um tomate naquele momento. Sentia-se como um adolescente ridiculo e arrasado pela propria vergonha. Sabia que aquela despedida não lhe traria nada de mais, mas que precisava faze-la. A esquina se aproximava lentamente. Apenas mais alguns metros e ele poderia sair daquela rua, entrar na avenida. De la pegaria o ônibus que o levaria de volta à estação de trem. Voltar para Paris, beber novamente a solidão e enterrar o sonho... talvez até ir à Inglaterra, mochilar pela Escocia como antes, por que não? O que lhe faltava em proposito sobrava em tempo...

Se alguém ler isso, saiba que nosso personagem acabou de chegar à esquina que tanto observa e almeja. Todavia, algo me vem à mente e sinto a necessidade de compartilha-lo com o leitor: sim, estamos em um mundo onde finais felizes podem ou não acontecer, onde a cada vez mais implacavel realidade empurra a fantasia até seus ultimos bastiões, ocultos dentro da bruma do cinismo com o qual olhamos nossas ilusões de infância. Ainda assim, quero terminar essa historia com algo mais do que a ja batida conclusão em aberto. O que fara ela, que deixamos na porta de casa com uma criança no ventre e um desenho nas mãos? Ora, sim, é claro que todos sabem das infinitas possibilidades e das provaveis probabilidades... mas permitam-me aproveitar da minha liberdade de escritor frustrado e da massa ausente de leitores avidos para colocar não um, mas alguns fins nessa historia onde Pimenta e Sombra demandam uma definição. Irei escrevê-los quando e como me vierem, felizes ou tristes. Escolham o que quiserem, pois apenas aqueles dois sabem quais linhas escreveu a vida real.

lundi 18 avril 2011

E depois de muito silêncio...

Mais de um ano sem postar. Mais de um ano sem realmente viver. Tudo é velho, velho como esse blog abandonado pelo autor e pelos leitores.
Estou naqueles momentos em que a vida parece estranha e tediosa, sem mais nada. Os amores de infância, adolescencia e idade adulta? Todos se foram, muito bem juntadas, casadas ou simplesmente de costas dadas e pés na estrada. O mundo se recorta em contas para pagar, um futuro obscuro onde me espera solidão. E dificil e acho que preciso ver um psicologo para não cair na armadilha da autopiedade suprema e improdutiva.
"Aonde foi que eu errei com você?", disse meu pai outro dia. Para muitos essa pergunta vem repleta de acusações, dedos apontados no rosto e palavras asperas... para mim, foi apenas uma constatação triste daquele que me carregou nos ombros a vida inteira: "você esta infeliz, e me sinto responsavel. Não soube te preparar para a vida, não soube te dar as armas necessarias para que seu sorriso se mantivesse apesar de todas as adversidades"...
Ah, pai... mas você soube, e soube muito bem. O problema é quando as adversidades são ao mesmo tempo grandes e numerosas demais, os amigos, distantes, a familia, quebrada, os entes queridos, mortos, o trabalho, um tormento, o conforto material e intelectual, inexistentes. Você me preparou bem, mas eu dei azar, fui um otario, não soube ser arrojado e tudo isso se juntou para fazer minha tristeza. Não fio culpa sua, não foi culpa sua... Foi culpa de todo mundo, sobretudo minha, antes de você sequer chegar perto da lista dos responsaveis.
A Pimenta deu as costas, esta casada e gravida, muito bem, obrigada, na França (pois é, né??), vivendo em Lyon. A Gringa também me deu as costas (duas vezes seguidas, como a Pimenta, olha so!!) e também esta levando a vida dela. Deve estar para casar nesses dias, assim que o mês de maio trouxer mais calor para os campos de mostarda... enfim, ja faz um tempo que as estantes de biblioteca e livrarias não escondem novos rostos que suscitem novas paixões, e as que me circundam e me são dirigidas não me interessam.
"Aonde foi que eu errei", pai, é uma pergunta que eu devo me fazer... você não.

jeudi 30 avril 2009

Chill out time...

Depois de uma descida power nas catacumbas voltei para casa exausto e desabei na cama ao lado de minhas botas enlameadas. O dia passou devagar, com tempo para pensar e escrever, cuidar dos probleminhas da vida e -o que é mais importante - baixar "Scanners", que ainda nao assisti.
A noite chegou devagar e como o cansaço se faz sentir vou aproveitar dessa véspera de seriado para rever meus episodios favoritos de "The Big Bang Theory", preencher as lacunas da minha cultura Sci-Fi e surfar na internet. Geeky night, mas que se dane: a cretinice do mundo me da vontade de assumir com orgulho meu lado nerd. Além disso, não existe nada melhor do que encadear um seriado que fala de sci-fi, RPG, videogame, comics, etc. etc. e depois correr atras das referências que a gente nao conhece pessoalmente.
Tem outra coisa que me agrada nesse tipo de noite: depois de saturar o cérebro com uma bateria de mangas e outras séries pontuadas de risadas, filmes com lasers e historias de horror a vida parece mais divertida; de repente a livraria vazia se torna o espaço de um encontro potencial, a internet me leva de volta para uma pequena ardida e até da vontade de acreditar que um dia, quem sabe... quem sabe eu também vou ter calma, maturidade (ou falta de) para ter um final feliz.

lundi 9 février 2009

Ah, os posts de exame de consciência.... Sempre bons para as tardes em que tudo parece te forçar a ficar em casa, quieto. Duck and cover, e se você for um daqueles que lê blogs para dar risada, talvez seja melhor ir checar outro site.
Outro dia reencontrei V., um ano e meio depois de uma ruptura que desceu como uma marreta na minha cabeça. Ano e meio durante o qual fui zeloso em odia-la, em me odiar, em procurar paquenas coisas que possam fazer o dia passar rapido e a noite chegar para poder beber, beber e não pensar mais nas coisas que perdi. Se estivesse na Inglaterra oi na Escocia, teria os pubs. No Brasil, os amigos te sacodem e ajudam. Em Paris, você enche a lata na frente do seu copo e, se tiver sorte, conversa com o barman.
Depois de um ano e meio nadando em meu proprio fel, depois de ter recusado voltar para ela com o prazer amargo de quem finalmente encontra uma possibilidade de vingança, depois de tentar virar a pagina, sabado passado me dei conta que não conseguia. Engraçado como podemos passar a vida cantarolando Paulinho da Viola sem realmente compreender que "amor é dificil de achar, a marca dos meus desenganos ficou, ficou, so um amor pode apagar". Sem novo amor e sem forças para procurar, decidi deixar um ultimo recado para ela. Não um pedido de volta, não um insulto... deixei apenas um rosario de frases curtas e uma despedida que ficou atravessada na garganta.

jeudi 13 novembre 2008

Dan Brown e meus demônios

Insônia é um saco... Felizmente temos alguns blogs que fogem do esquema geral e têm autores que falam de outras coisas que suas vidinhas insignificantes (o que não é meu caso).

Então, apos ler o ultimo post do McFly e da Guili no http://caducando.wordpress.com/, resolvi escrever sobre algo mais chato do que eu: literatura.
No Caducando falou-se bastante em Dan Brown. Hum... na verdade esse cara ocupou boa parte da midia planetaria durante algum tempo, a ponto de seus livros adquirirem o status do filme "Titanic": você nao quer ler porque ja ouviu tanto falar que tem a impressão de ja conhecer tudo de cor (obrigado, Italo Calvino). Mas convenhamos; Dan Brown é um monte de coisas boas e ruins:
Ele provou que ainda é possivel se tornar milionario sem escrever livros de auto-ajuda.
Mostrou de forma empirica que nesse mundo perigosamente pratico onde se bombardeia estudantes de literatura e filosofia com a eterna pergunda "o que você vai fazer com isso?"as pessoas ainda podem descobrir um interesse repentino por dados irrelevantes como a quantidade de placas de vidro que compõem a pirâmide do Louvre ou, em um plano mais historico, a "rose ligne".
Finalmente, o cara conseguiu fazer mais de um milhão de pessoas lerem um tijolo de quatrocentas paginas sem chiar.
Isso tudo é digno de respeito. Diria até mais, o cara merece aplausos.
Mas convenhamos que do ponto de vista literario ele é nada mais do que mediocre.
A literatura não envolve somente idéias e informações, mas também a maneira de expô-las. Dan Brown é o primeiro grande romance em que a ação se encadeia com discussões breves e flashbacks literarios que não precisam de nada para serem adaptados a um filme. Releiam o "Da Vinci Code" e vejam por si mesmos: o cara consegue enfiar três dias em quatrocentas paginas, enquanto Flaubert precisou de muito menos para retratar a vida toda de Emma Bovary.
Não é apenas o tamanho da obra e sua brevidade no tempo. Afinal, Life and Opinions of Tristram Shandy também cobre um curto periodo para um volume enorme de palavras, mas Sterne usou um artificio bem mais original que Brown.
O leitor eventual que ainda insistir em seguir minhas linhas deve estar se perguntando "Mas por que tanta raiva no coraçãozinho desse cara?"... Eu explico com um exemplo pratico: Quantas vezes não ouvimos dizer que "o filme é bom, mas o livro é melhor"? é justamente essa a riqueza do livro, que ele seja uma obra de valor literario reconhecido ou um bom thriller! Caramba; o livro tem algo mais que o filme não consegue traduzir. No livro o autor explora o universo interno dos personagens, o uso da linguagem na voz narrativa é a riqueza propria do romance!...
Nos EUA existe ha muito uma modalidade de escrita que consiste em fazer o contrario, transformando filmes famosos em livros. Você pode ler Ghostbusters II e Bradock! Fato aceito, é claro que uma obra escrita baseada em um filme tera uma estrutura diferente da obra literaria pensada desde o inicio como tal. O Da Vinci Code é a primeira obra inicialmente literaria com uma estrutura quase toda visual. Os raros pontos nos quais ha digressão podem ser facilmente adaptados, e se os estudios tivessem um pouco de panache eles teriam adaptado o livro inteiro para o cinema, sem esquecer uma linha sequer!
Para mim acabamos de entrar em uma nova era onde os livros (nao vou ousar dizer "literatura" novamente) se dividirão em três categorias:
Os de uso pratico, onde poderemos encontrar desde manuais de windows até auto-ajuda.
Os romances visuais, que seguirão a linha do Da Vinci Code
A literatura verdadeira, cada vez mais alienada por causa dos proprios literarios, que insistem em se considerar seres intelectualmente superiores em um mundo povoado por cretinos e por isso mesmo se isolam em sua propria esfera.

Tudo isso para chegar à seguite pergunta: Dan Brown deve ser considerado como literatura? é claro que deveria! Ignora-lo seria ignorar o verdadeiro fenômeno de distanciamento do abstrato que orquestra os caminhos da cultura atual. Ele deve ser estudado, sim. Sua estilistica, seus artificios e os termos empregados... enfim, um estudo da semiotica da comunicação do Da Vinci Code poderia ser sobreposto com um estudo da semiotica global do século XXI (nossa, como sou vago no que digo!) e nos ajudar a entender por que, depois de dois mil anos pensando e dechifrando, resolvemos finalmente optar pelo obveo.